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UFPA propõe selo contra escalpelamento


UFPA propõe selo contra escalpelamento (Foto: Cezar Magalhães)
Regina foi vítima de escalpelamento há 17 anos e hoje produz peruca para ajudar mulheres que passam por problemas semelhantes (Foto: Cezar Magalhães)
Dados do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional mostram que 80% dos casos de escalpelamento no Brasil ocorrem nos rios da Amazônia. Apenas este ano, foram registrados oito acidentes com escalpelamento no Pará. Em 2011, também foram oito casos.
O escalpelamento geralmente acontece quando mulheres de cabelos compridos têm os fios puxados pelo eixo do motor de embarcações que não têm nenhum tipo de proteção que impeça o contato direto do motor com o passageiro. O acidente pode arrancar o couro cabeludo, as orelhas, parte da pele do rosto e, em casos mais graves, levar à morte. Apesar de ser mais comum entre mulheres, há registros de homens escalpelados. Nesses casos, a maioria sofre mutilações genitais.
As pessoas que sofrem esses acidentes são, em sua maioria, de baixa renda e, por isso, nem sempre têm informação ou procuram algum órgão competente. Todos têm o direito de navegar em uma embarcação segura, e esse direito está garantido na Lei Federal nº 11.970, de 6 de julho de 2009, que torna obrigatória a instalação de proteções em torno de áreas móveis e do eixo do motor de embarcações. Quem descumprir a orientação pode ter o barco apreendido.
Um projeto da Faculdade de Engenharia Naval da Universidade Federal do Pará (UFPA) propõe a criação de um selo, na Capitania dos Portos, para oficializar que uma embarcação está livre de riscos de escalpelamento. O selo seria denominado Atestado de Vistoria de Isenção de Risco de Escalpamento (Avire). O projeto sugere, ainda, educar as comunidades ribeirinhas com o propósito de difundir informação e evitar o acidente.
Para o coordenador do projeto, professor Kao Yung Ho, o mais importante é conscientizar os proprietários e os usuários de embarcações sobre essa situação, pois, segundo ele, o problema do escalpelamento nos rios da Amazônia é mais de gestão do que técnico. “O órgão responsável é a Capitania dos Portos, mas, para resolver a situação por completo, teria que haver uma grande campanha, o que é bem difícil, considerando o tamanho dos rios da região.”
Segundo Kao, o diferencial do projeto é a proximidade que o aluno poderá ter com o ribeirinho, já que muitos destes se sentem intimidados quando percebem que um oficial fardado está vindo em sua direção. “Para os ribeirinhos, a impressão é a de que o representante da Capitania está se aproximando para aplicar alguma multa. Já os estudantes, por possuírem uma abordagem menos formal e por serem de uma instituição de ensino como a UFPA, podem dialogar mais de perto com os barqueiros”.

ORIENTAÇÃO
Este direcionamento está sendo desenvolvido, a longo prazo. A ideia é que o próprio Centro Acadêmico de Engenharia Naval tome a frente nesta iniciativa, com a orientação dos professores do curso. E com o passar do tempo os estudantes irão treinar as próprias comunidades para serem agentes multiplicadores, as quais terão a autonomia de vistoriar e orientar os outros usuários de barco contra o escalpelamento.
“Obviamente, nossos alunos não serão suficientes para todo o Estado, mas o que nós pretendemos é criar um projeto de gestão, em que não se vai apenas ao barco dizer o que deve ser feito, e sim acompanhar a situação e formar um sistema de controle, pois, se hoje um barco está correto, mais tarde ele pode repassar a adequação para outro proprietário, que poderá modificar a embarcação”.
Segundo o professor, os alunos, além de auxiliarem as comunidades, poderão fazer um trabalho de coleta de dados. “Temos pouco material sobre as características das embarcações e os números de acidentes nos rios da região. Ainda somos pobres em dados”, diz. Ele destaca que existem muitas ONGs que trabalham no sentido de ajudar as pessoas que sofreram este tipo de acidente, “mas o nosso projeto visa evitar, e não remediar o que já aconteceu”.

Atuação em favor das vítimas
Há 17 anos, quando percorria o rio Atatá, no município de Muaná em direção à casa de um parente, Regina Formigosa de Lima, 39 anos, não imaginava que sua vida mudaria para sempre. Distraída, a jovem acabou por deitar no barco para descansar. Foi surpreendida por uma forte puxada na sua cabeça.
Seu cabelo comprido havia penetrado por uma fresta entre as tábuas de madeira que protegiam o rolante do motor do barco. Numa fração de segundos, seu couro cabeludo, juntamente com a pele da testa e da sobrancelha foram abruptamente arrancados da cabeça. Regina entrava naquele dia para a triste estatística das mulheres escalpeladas na Amazônia.
De lá para cá já fez quatro cirurgias reparadoras para tentar corrigir as consequências da irresponsabilidade de muitos barqueiros. “Os donos dos barcos não estão nem aí para as pessoas que transportam. Eles só mudam quando a tragédia atinge alguém da sua família”, resigna-se.
Ela diz que enfrentou muito preconceito ao longo dos anos. “As pessoas olhavam para a gente como bicho, como uma pessoa diferente. Hoje não. Isso melhorou bastante. Com a divulgação dos casos a sociedade passou a compreender o que passamos”.

PERUCA
Como a perda foi total, Regina usa peruca, um artefato que aprendeu a confeccionar para outras mulheres que passam pelo mesmo problema na ONG dos Ribeirinhos Vítimas de Acidentes de Motor (Orvam).
Cristina Santos, coordenadora da ONG, considera que a criação do selo é uma medida de extrema importância, na medida em que traz mais segurança para os passageiros. “A Capitania dos Portos já fornece essa carenagem para cobrir os motores, mas os barqueiros retiram para vender. Eles ainda não estão sensibilizados para essa causa”, atesta. Ela se diz preocupada com as ocorrências de escalpelamento.
A Orvam foi criada em 2010, quando ganhou um terreno da prefeitura de Belém e uma sede construída por um programa de TV, que se sensibilizou pela causa. Na época, também ganharam um ano de cestas básicas de um grande supermercado local.
Hoje, a situação é bem diferente. “O governo e a prefeitura só podem firmar qualquer convênio quando a entidade fizer dois anos de fundada. E isso ainda demora seis meses. Não recebemos doação de ninguém. A nossa sede, que é nova, já começa a apresentar problemas. Não temos sequer material de limpeza”, relata.
A ONG trabalha com três premissas básicas: inserção das mulheres no mercado de trabalho, recuperação da autoestima e a luta contra o preconceito. Hoje, existem 67 mulheres cadastradas na entidade, que recebem atendimento de uma psicóloga que vai ao local às quartas-feiras, além de quatro estagiárias de Serviço Social. Todo o trabalho é voluntário.
(Diário do Pará)

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