Quando o jornalista da TV Cultura Vladimir Herzog foi torturado e
morto pelos órgãos de repressão da ditadura militar, em outubro de 1975,
um de seus dois filhos, Ivo, tinha nove anos. Então diretor de
Jornalismo da emissora, Vlado, como era chamado pelos mais próximos,
preparava um projeto para uma de suas paixões, o cinema: “Antônio
Conselheiro”, sobre o líder da insurreição de Canudos (Alagoas). O filme
já tinha até plano de produção pronto, e seria uma detalhada peça de
resgate histórico do Brasil Império. “Não lhe deram tempo”, diz o
redator do texto sobre Herzog registrado na página do Instituto Vladimir Herzog, capitaneado por Ivo.
Quase 40 anos depois, em 9 de dezembro passado, o instituto recebeu
da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República o prêmio
de Direitos Humanos, na categoria “Verdade e memória”, por uma
compilação de depoimentos de jornalistas e jornais que, entre 1964 e
1979, ousaram se insurgir contra o arbítrio. A condecoração, no entanto,
contrasta com a recusa do governo brasileiro, em junho deste ano, em
reabrir ação criminal, expedida em outubro de 1978 pelo juiz federal
Márcio Moraes, sobre as circunstâncias da morte de Vladimir Herzog. Na
decisão, que determina a apuração da autoria e das condições do
homicídio, a União é responsabilizada pela morte de Herzog.
“O governo é omisso, sim, nesse caso. Hoje existem todas as condições
políticas, todo um cenário político favorável para o governo rever essa
posição e fazer a reabertura do caso, obedecendo a uma ordem
internacional”, disse Ivo Herzog, em entrevista exclusiva concedida ao Congresso em Foco,
referindo-se à condenação formalizada contra o Brasil pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos
(OEA). O Brasil foi denunciado em março à corte internacional, como o
havia sido, em 2010, pelas mortes decorrentes da Guerrilha do Araguaia
(entre fins da década de 1960 e primeira metade da década seguinte).
Lei da Anistia
O governo brasileiro alegou a vigência da Lei da Anistia, promulgada
em agosto de 1979, para não dar consecução aos casos Herzog e Araguaia.
No documento remetido à OEA em defesa do Estado, o governo brasileiro
menciona o apoio que dá ao instituto. A postura causou indignação a Ivo e
a seus familiares, com ameaça de devolução do prêmio da Secretaria de
Direitos Humanos ao governo – o que não chegou a acontecer. Ivo
considerou “afrontosa” e “caluniosa” a alegação do governo, lembrando
que o instituto é iniciativa de parentes e amigos, com apoio de empresas
privadas e públicas.
No último dia 13 de julho, o requerimento de reabertura do caso foi
apresentado à Comissão Nacional da Verdade. Na ocasião, a alteração do
conteúdo do atestado de óbito do pai, disse Ivo, também foi requerida
pelos advogados da família. No pedido de reabertura do caso, feito
também àquela corte da OEA, a viúva de Vladimir, Clarice Herzog, volta a
responsabilizar a União pelo que aconteceu ao jornalista.
Em 25 de junho, poucos dias depois de anunciada a recusa do governo,
Ivo se reuniu com a ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos), no
Instituto Vladimir Herzog, em São Paulo. A ocasião, relatou o presidente
da entidade, a ministra tentou explicar os termos da postura
governamental, sem convencer a família Herzog. O filho de Vladimir
Herzog lembra que a decisão do juiz Márcio Moraes não foi contestada à
época, mas que o caso não foi devidamente acompanhado pela família,
deixando-o sem avanço na esfera judicial. A luta agora é pelo
cumprimento da sentença de 1978. Mas o encontro com a ministra foi
“totalmente positivo”, disse Ivo, cujo pai se tornou um símbolo da luta
contra o regime militar ao ser retratado com uma corda no pescoço, a
1,63m do chão, nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações
de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna).
Na entrevista abaixo, Ivo diz que a Comissão Nacional da Verdade (leia mais aqui),
instalada em maio, é “mais poderosa” do que a Lei de Acesso à
Informação, uma vez que pode convocar quem quiser para depor e tem
acesso a documentos ultrassecretos, prerrogativas não descritas na nova
legislação (leia tudo sobre o assunto).
“Na próxima semana deve entrar no ar o portal da Comissão [da
Verdade], onde tudo vai ser publicado. Dessa maneira vai haver
transparência no processo”, informou o diretor executivo do Instituto
Vladimir Herzog, que espera um pedido oficial de desculpas por parte do
governo brasileiro e o reconhecimento de que Vladimir foi assassinado, e
não “suicidado”, como diz ironicamente sobre a versão oficial dos
militares.
Para Ivo, que é formado em Engenharia Naval e Administração de
Negócios e especialista em planejamento estratégico, a presidenta Dilma
tem sido “formidável” em relação ao resgate histórico recente do país.
Ela, porém, critica ele, esbarra na força da resistência das forças
conservadoras que preservam os militares dos malfeitos praticadas nos
chamados “anos de chumbo”. Sobre o pai, poucas palavras. “Eu tinha nove
anos. São poucas lembranças. No circo, na praça, pescando. Lembranças de
astronomia, fotografia, que ele curtia muito.”
Fonte: Congresso em Foco
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