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Valmir, um pequeno grande homem.

Belém amanheceu de luto. Belém amanheceu mais madura e a cultura popular perdeu um grande lutador, um grande pequeno homem. Belém amanheceu sem Valmir, sem sua alegria, sem sua ousadia, sem sua maneira alegre de saber a dor e a delicia de ser o que é.

Conheci Valmir ainda jovem, estudante do colégio Nazaré, onde junto com seus irmãos Valdir, Vânia, Valcir e Joice saiamos todas as manhãs na Brasília alaranjada para o colégio. Eu estudava o cientifico, junto com a Vânia e os outros irmãos estavam no ensino fundamental. Morávamos na 25 de setembro entre Mauriti e Estrela, Valmir na casa de seus pais, na casa que hoje é o Juizado de Pequenas Causas e eu com os meus familiares na Vila Raimundo Nonato.

Valmir passou no vestibular com 16 anos, para o curso de Medicina. Logo que entrou na Faculdade participou do movimento estudantil. Foi diretor do DAM, depois deixou o curso de Medicina (NO QUARTO SEMESTRE) e foi para História. Um dia eu lhe preguntei o porque da troca. Ele me confessou que no dia que entrou na sala de cirurgia, percebeu que não era aquele trabalho que ele queria. Não aguentou ver o sangue sair e o cheiro da anestesia.

Foi para história. Eu já era aluna do curso. No centro acadêmico de história, fundado em 1980 (eu fui a primeira presidente), logo depois Valmir foi presidente mostrando todo o seu brilho peculiar. Em seguida foi presidente do DCE da UFPA, na gestão Aroeira, e depois tornou-se presidente nacional da UNE. Um paraense petista. Era a primeira vez que um petista e paraense assumia a entidade. 

Valmir foi militante do PT, que junto com muitos companheiros do PRC, foram para o PT para construir um partido diferenciado e de massa.

Valmir foi do Partido Comunista Revolucionário, uma dissidência do PCdo B, que se organizou no inicio dos anos 80, e que em Belém tinha nas suas fileiras jovens sonhadores, democratas e lutadores por um País melhor. Nós eramos da Caminhando, uma tendência do ME que era a frente legal de atuação do PRC.

Nós nos pensávamos comunistas. Nós ainda sonhávamos com uma revolução socialista e dedicamos nossa juventude lutando por direitos básicos da população. Sempre tínhamos uma trincheira de lutas. Valmir lutou contra a explosão dos bancas de jornais de Belém, pelo ensino público e gratuito, pela meia passagens, pelos direitos humanos, denunciou perseguições aos homossexuais, e dedicou-se a cultura, tornou-se um militante das causas dos direitos dos indígenas, quilombolas e ribeirinhos da nossa Amazônia.

 Lembro de Valmir lutando e enfrentado a repressão dos dono de ônibus e a PM nas ruas, para garantir a meia passagem sem democracia. Lembro de Valmir nas assembléias lutando pela eleições diretas para reitor. Lembro de Valmir comandando greves nacionais pela UNE contra o ensino pago. Lembro de Valmir lutando pela anistia, pelas Diretas Já, por uma politica de inclusão dos povos da floresta, e principalmente lutando por Belém e pelo Pará.

 Lembro de Valmir dançando carimbó, organizando as Buxixiatas, os cortejos, organizando conferências de cultura, participando dos debates sobre educação indígena. Tenho muitas lembranças..., lembranças de uma vida forte, brilhante e feliz. Tenho muitas lembranças de você que soube ser um homem solidário, cativante, amigo e doce. Um homem de seu tempo.

Mais, Valmir sempre teve posição, era inteligente, sabia o que queria, e sua vida toda pensou na cultura dos Amazônidas, e dos excluídos. Valmir sempre foi um dirigente . Quando foi diretor do Bosque Rodrigues Alves transformou o bosque em parque ambiental, quando foi diretor do departamento de cultura da FUMBEL organizou belos carnavais, mostra de teatro. Pensou sempre politicas culturais de inclusão. Quando assumiu o Curro Velho ampliou suas ações para grande parte do Estado, fez politica com editais e trabalhou com os mestres de cultura.

Valmir fez um discursos maravilhoso sobre o custo amazônico na conferência de cultura nacional em 2010 em Brasília. Foi a estrela da festa.

 Eu indiquei o Valmir para o Curro Velho e defendi seu nome, no momento da composição de governo, da Ana Júlia, por saber do seu compromisso com a cultura do Pará. Um certo tipo de cultura mas que fazia seus olhos brilharem e seu coração bater forte.

 Valmir viveu o que quis viver. Fez suas opções de vida, mas tenho certeza que viveu feliz, de bem com sua consciência e com seu coração.

 Aqueles anos 80 forjaram uma geração de sonhadores, de lutadores que construíram suas lideranças. Valmir foi um líder, uma pessoa maravilhosa que nos fazia pensar nos nossos preconceitos, nos nossos limites.

 Valmir, sua vida foi sempre para pessoas além de você. Você terá sempre um lugar nos nossos corações. Eu tive o privilégio de te conhecer, de te abraçar e de compartilhar contigo muitos sonhos. Fique em paz e que todos saibam que a cultura do Pará perdeu um pequeno grande homem.

Comentários

  1. Professora Edilza, boa tarde!
    Recebi a notícia a respeito da morte do amigo Valmir há dois dias e três meses atrasados. Estou muito triste, ainda em processo de luto, apesar da falta de sincronia. Senti-me mal, por ter a exata consciência da perda da pessoa humana e o tamanho que ele tinha. Alguém que, apesar da baixa estatura, se agigantava com a eloquência e a qualidade de seu discurso, a nobreza e dignidade de suas. O amigo bem humorado, provocador e próximo, sempre disposto a ajudar. Também fui um dos privilegiados a conhecê-lo e compartilhar de seu abraço, sorriso, sonhos e companheirismo. Seu texto reproduz exatamente o que ele foi e significou em sua passagem por Santos durante boa parte da década de 1990. E foi assim em todos lugares onde passou. De certa forma, estou ainda me acostumando com a ideia de não mais tê-lo entre nós. Apesar dos muitos anos sem contato, o procurava pelas redes sociais para retomar o contato. Mas não perco as esperanças. Faz parte de minha crença e convicção.

    Renato da Costa (renatodacost@yahoo.com.br)

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