Pular para o conteúdo principal

Um dia para não repetir


Embora os dias tenham rigorosamente as mesmas quantidades de horas, minutos e segundos, sendo fisicamente iguais em si, todos eles guardam diferenças simbólicas que os tornam especiais. Alguns causam grandes emoções, representando datas queridas e inesquecíveis, como os aniversários de nascimento, namoro, primeiro beijo ou casamento. Outras ingressam definitivamente em nossa mente por marcarem episódios tristes, não raro a morte de algum ente querido ou o rompimento com a pessoa amada.
As datas simbólicas não se contentam apenas com a vinculação aos atos intimistas ou àqueles típicos do quintal individualista. Elas também interagem de tal forma com o sentimento coletivo de um povo, que é até difícil imaginar a história do mundo sem que elas existissem. Neste rol estariam, dentre outras, as datas comemorativas das lutas pela independência de uma nação, o massacre violento de pessoas, uma revolução que se instala ou até o martírio de um povo.
Neste contexto, não poderiam passar desapercebidas datas patrióticas como o 7 de setembro dos brasileiros, o 4 de julho dos estadunidenses, o 1º de julho dos revolucionários franceses. Também bem ilustram o time o 1º de maio dos trabalhadores, o 8 de março das mulheres, o 17 de outubro dos comunistas e, como não poderia deixar de ser, o famoso 25 de dezembro dos cristãos. Aliás, a própria Igreja Católica sempre presenteou os fiéis com várias datas dedicadas aos santos defensores de seus ideais, várias delas estrategicamente transformadas em feriados oficiais.
O quadragésimo oitavo aniversário do Golpe Militar de 31 de março, que ocorrerá neste sábado, fará o brasileiro lembrar uma dessas datas emblemáticas na história de um povo, ainda mais quando simboliza um pensamento que perdurou por longos e tenebrosos anos. Foram dias em que a força bruta governava e paralisava toda uma nação, fazendo adormecer os sonhos de uma geração que ansiava reformar a velha e conservadora sociedade brasileira. Fora a época em que calaram os brasileiros que apenas desejavam, “sem lenço ou documento”, viver em um país democrático, em que o acesso à educação e ao uso produtivo da terra fosse um direito de todos.
Era o tempo em que imperava o medo. O medo de exprimir o mais simples dos pensamentos. O medo de não ser denunciado por apenas ler um livro ou gostar de determinada música. O medo até de dizer que se tinha medo. Eu, que era apenas uma criança de dois anos de idade, também fui convencido a viver com medo. Não o medo do Capitão Gancho, Cuca, Maga Patológica, Coringa, Lobo Mau, Lex Luthor, Duende Verde ou outros vilões do mundo da ficção. Mas, sobretudo, o medo de ser devorado pelos “Papas-Fígados” e “Comedores de Criancinhas, como eram chamados os “vilões-comunistas”. E quem não tinha medo podia parar em um desses calabouços oficiais que escondiam um envergonhado submundo de torturas, prisões clandestinas e “desaparecidos” escondidos pela própria máquina estatal. Se tivesse mais sorte, podia fugir do país, viver clandestino, ser deportado ou trocado por algum embaixador sequestrado. Como resultado de tantos medos e ausências, gerações e idéias perderam-se nos escaninhos da História, nunca mais sendo recuperadas.
Na época do “milagre econômico” era pegar ou largar, ou melhor escrevendo, amar ou deixar o país. Deixar era uma forma de dizer, pois nesta época os governantes militares adoravam também conjugar o verbo entregar. E sem qualquer explicação lógica, entregavam as riquezas brasileiras a multinacionais, paradoxalmente aumentando as dívidas externas.
Quarenta anos e oito anos depois, o Brasil vive em pleno regime democrático, inclusive elegendo uma ex-presa política, Dilma Rousseff, como presidenta da República. Hoje, em suas várias instâncias políticas, situação ou oposição, destacam-se executivos, magistrados e parlamentares que, em geral, foram perseguidos ou não colaboraram diretamente com o regime militar. Contudo, ainda não dá para cantar vitória, pois ainda permanece ativa parte do entulho moral autoritário que tanto atormentou os brasileiros, sequer permitindo que a sociedade saiba o que ocorrera no submundo da ditadura militar.
E é esta parte que continua a impedir que o Brasil se torne uma nação em paz com a sua própria consciência. É este pedaço oculto que continua impondo o medo a uma nação que quer virar uma das páginas mais cruéis de sua História. É esta porção que sobrevivia nos porões submersos – negados pelo próprio regime militar – que boicota, aterroriza e confunde o brasileiro chamando de revanchismo o sagrado Direito à Memória e à Verdade. É este pequeno grupo que faz – em causa própria – a anistia ser sinônimo absurdo de amnésia. Eis porque é importante lembrar do Golpe Militar de 1964, pois o dia 31 de março jamais deve ser esquecido, para que nunca seja repetido.

Congresso em Foco

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A História do Hospital Psiquiátrico “Juliano Moreira”

O Arquivo Público do Estado do Pará lançou um livro chamado História, Loucura e Memória, que trata do acervo do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira. O livro está belíssimo e é uma parceria da SECULT com a SESPA, contém uma exposição de fotos do hospital e tem uma coletânea de textos. Traz também o fundo documental do Hospital Juliano Moreira que é um belo instrumento de pesquisa. Comprem, pois valerá a pena conhecer um pouco de nossa História e das Histórias dos nossos "loucos". O Hospital Psiquiátrico “Juliano Moreira” tem origem no antigo hospício de alienados, fundado em 19 de julho de 1892, localizado no Bairro do Marco da Légua. Em 1937, passou a denominar-se “Juliano Moreira” em homenagem ao psiquiatra baiano que contribuiu significativamente com a psiquiatria no Brasil. Sua trajetória de quase 100 anos (1892-1989) confunde-se com a trajetória da própria medicina psiquiátrica no Estado do Pará, seus avanço e recuos. Como instituição asilar, está incluído na série de r

A derrota de Ana Júlia e a esquerda no Pará II.

Ontem, foi dia de preparar os últimos detalhes da prestação de contas para o TRE e eu fiquei muito ocupada com esta tarefa, acabei por não terminar minha avaliação. Hoje é dia de finados, vou visitar minha avó, dona Rosa que morreu em 14 de novembro passado, e vou tentar fazer mais uma parte da avaliação.  Conversei com o presidente do PT, e ele me disse que o processo de avaliação vai começar, que todos devem participar. Perguntei também sobre o pedido de novas eleições para o senado, e ele me informou que agora, passado o segundo turno, o PT vai analisar a questão e tomará uma posição rápida. Continuando a avaliação iniciada ontem, quero dizer que o PT no Pará fecha um ciclo de ascensão e inicia um período de refluxo. Hoje, a perda do governo do Estado fecha uma acumulo de forças, e o PT no Pará terá de repensar seus rumos e suas estratégias.  Vamos à avaliação.  A pergunta que devemos responder é múltipla, tem varias respostas. A pergunta da perda, é de fácil resposta, e de difícil

A derrota de Ana Júlia e da esquerda no Pará.

Ontem à noite tivemos o resultado final das eleições no Pará, nela Simão Jatene obteve 1.860.799 (55,74%) e Ana Júlia 1.477.609 (44,26%), uma diferença de mais de 383 mil votos.  No primeiro turno, a diferença de Jatene para Ana foi de 452 mil votos, uma diminuição  de 69 mil na diferença do primeiro para o segundo turno.  O que podemos dizer é que os votos de Jatene estavam bem consolidados em cima da rejeição do governo. Esta eleição acabará sendo computada como uma derrota de toda a esquerda, mas a minha avaliação, é que é um julgamento da população feito da gestão de Ana Júlia. Em  2006, Ana teve 1.673.648, ou seja, em 2010 ela obteve 196,039 mil votos a menos que em 2006, quando concorreu com Almir Gabriel. No mesmo ano Lula alcançou 1.840.154 e ganhou de Alckimin por 619,59 mil votos. Com apenas um pequeno decréscimo, houve o voto casado entre Ana e Lula. E ambos ganharam as eleições. Já em 2010, Dilma quase mantém a votação de Lula, a candidata conseguiu 1.791.443 (53,20%) e Ser