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Entrevista com o Professor Raimundo Jorge



Professor Raimundo Jorge/UFPA – Membro do Movimento de afro descendentes e da comissão nacional do MEC que debate a Lei 10639/03 que inclui o estudo de História da África nos currículos do ensino médio e fundamental.


Profª Edilza: Qual a importância da lei 10.639/03, para os estudos dos afro-descendentes no Brasil?

Profº Raimundo Jorge: A lei 10.639/03 constitui-se em instrumento de ação afirmativa dos afro-brasileiros gestado como resultado das lutas dos movimento negro por um instrumento que permitisse aos brasileiros negros conhecerem sua historias e tivessem a dimensão de sua participação na construção de nossa nação. Porem a lei também é para os não negros brasileiros que para conhecerem a história do Brasil necessitam de apropriar-se da historia dos negros e de sua diáspora na America, ou então estarão fadados a não entender como “as coisas são porque são”


Profª Edilza: Como se chegou à aprovação desta Lei? Os movimentos sociais vinculados aos afro descendentes no Brasil, participaram da formulação? A lei foi formulada pelos movimentos sociais negros?

Profº Raimundo Jorge: A lei e fruto de uma luta histórica dos negros brasileiros por educação e reconhecimento .Essa luta acentuou-se a partir da fase contemporânea do movimento negro iniciada em 1978 ,pela marcha Zumbi dos Palmares, assim como da participação do Brasil na Conferência de Durbam convocada pela ONU para examinar o racismo e suas formas correlatas no mundo.
O resultado é uma lei que acompanhada das diretrizes e parecer do CNE introduz na educação pátria o paradigma da “educação para as relações étnico raciais” e reflete os interesses dos afro-brasileiros na educação que eles vislumbram para si e para os brasileiros.Uma educação que sustentada nesse novo paradigma pedagógico pode transformar o nosso pais em uma nação para todos, sem racismo nem desigualdades raciais.

Profª Edilza: No seu entendimento, os estudos de História da cultura brasileira valorizam a contribuição africana na formação do povo brasileiro? Há poucas pesquisas relacionando a historia da África com a do Brasil?

Profº Raimundo Jorge: Não temos na educação brasileira um tratamento adequado da importância do negro na construção do Brasil. Nunca fomos símbolo da nacionalidade, nossos heróis muitas vezes foram retratados como bandoleiros ou pessoas insignificantes a não ser quando associados a um personagem branco.
A contribuição do negro africano e seus descendentes foi e é fundamental para a existência do Brasil. Podemos citar por exemplo o banto para a difusão do português como falado no Brasil, a culinária brasileira que é basicamente afro-brasileira. A ignorância do papel do negro no processo civilizatório brasileiro leva a que, por exemplo, em nosso estado, que tem no indianismo romântico um dos pilares da ideologia da elite branca, sejam atribuídos aos indígenas pratos elaborados pelas cozinheiras negras a partir dos ingredientes locais, tais como a maniçoba(uma variante da feijoada) e o pato no tucupi(um ensopado).
Muito tem sido feito em termos de pesquisa para resgatar a importância da relação África/Brasil porem muito ainda tem a ser feito e as Universidades estão diante desse repto.
Outro aspecto é a divulgação dessas informações que ainda carecem de espaço na academia e na mídia.

Profª Edilza: Quais os encaminhamentos que o MEC fez para que a Lei fosse implementada?

Profº Raimundo Jorge: O MEC , SEPPIR(Secretaria de promoção da igualdade racial) e a UNESCO promoveram diálogos com os movimentos negros e as instituições estatais nas Regiões brasileiras que resultaram na formulação de um plano institucional de implementação da Lei 100639/03 e junto com a SEPPIR vem promovendo o lançamento do Plano de implementação da lei em todos os estados brasileiros. Aqui no Pará o Plano já foi lançado e como quase todas as noticias relativas a promoção dos afro-brasileiros passou em “brancas” nuvens na competente mídia local.
O MEC também tem fomentado e qualificado “Fóruns de diversidade étnico-racial em todos os estados brasileiros, sendo o paraense um dos fóruns de destaques nacional pela qualidade de sua atuação e direção.
Temos também atuando no MEC uma assessoria técnica nacional que tem dentre suas funções o monitoramento da execução do plano supracitado. O estado do Para também aqui merece destaque, pois conta atualmente com três integrantes nessa Assessoria.
Enfim a própria existência de uma secretaria no MEC voltada para a questão da igualdade racial .Também temos no MEC diversas linhas de financiamento das quais destacamos o UNIAFRO , que envolve as instituições de nível superior.Essas ações mostram a importância da questão para o atual governo brasileiro e sua porosidade as justas reivindicações dos afro-brasileiros.


Profª Edilza: Há recursos para plano de formação em História da África, voltada para professores da rede?

Profº Raimundo Jorge: O plano infelizmente não contempla um orçamento,sendo essa a luta mais premente para o movimento negro atualmente. Urge que o Plano de implementação da Lei seja parte integrante do próximo PNE.

Profª Edilza: A nível de SEDUC/PA o que foi feito para implantação da Lei?

Profº Raimundo Jorge: A SEDUC vem envidando esforços para a implementação da lei com a criação de instancias em nível de diretoria e coordenação para atendimento dos reclamos do movimento negro assim como firmou convenio com a UFPA para realização de curso de especialização nas temáticas da lei, curso este concebido e implementado pelo Grupo de estudos Afroamazonico/ NEAB da UFPA.

Profª Edilza: Este ano, no mês de maio, a Escola de Governo realizou a Semana sobre a História da África, como você vê este tipo de iniciativa?

Profº Raimundo Jorge: Achei uma iniciativa excelente, pois coloca no cenário da luta antiracista a mais importante escola de administração publica de nosso estado. E hora da cidadania entender que o antirracismo deve constituir-se em política permanente das políticas publicas.
Aproveito aqui a oportunidade para parabenizar a Professora Edilza pela bela iniciativa que foi essa semana e espero que a nova Direção tenha a mesma sensibilidade que moveu a Professora ao promover a semana.

Profª Edilza: Fale-nos um pouco de seus antepassados africanos escravos no Brasil.Você acha importante fazer o registro destas memórias para que elas sirvam de instrumentos de pesquisas e de entendimento das experiências do afro descendentes do Brasil?

Profº Raimundo Jorge: Acho importantíssimo, pois os afro-brasileiros necessitam resgatar sua historia da qual continuam privados ate hoje. Qualquer garoto branco conhece a história da civilização européia branca e muitas vezes da sua família, de onde vem seu sobrenome, e ate localiza seus parentes na Europa. Diferentemente o garoto negro-descendente nada disso pode fazer, seu sobrenome foi imposto ou doado por um branco, nada conhece das civilizações africanas de onde vieram seus antepassados, o histórico de sua família mal passa de duas ou três gerações, jamais poderá localizar seus parentes na África. Esse é uma das facetas perversas das desigualdades e humilhações do negro brasileiro condenado anão ter história a não ser a historia do homem branco acerca dele, como queria Hegel. É nosso dever cívico e intelectual romper com esse ciclo perverso.
Eu como negro-descendente e afro-brasileiro também sou vitima desse ciclo. Porem conheço desde criança um pouco da saga dos meus antepassados de origem africana, principalmente por intermédio de minha avó paterna que nascida em 1888, vivenciou a pós-abolição em sua infância e me contava das desventuras de sua mãe que foi escrava de uma família abastada na Belém do século XIX , família essa que doou o sobrenome de minha avó sobrenome este que as vezes encontro nas colunas sociais de nossa cidade.
Falava-me dos castigos cruéis que sua mãe sofria, principalmente no espaço da cozinha, um local de trabalho, humilhação e suplicio para muitas mulheres negras até hoje. Do esforço que sua mãe empreendeu como “escrava de ganho” tentar resgatar sua liberdade através de poupança e que acabou vindo pela legislação abolicionista. Das humilhações e castigos diários que passou no colégio Gentil Bittencourt onde foi colocada por seus padrinhos (antigos “donos” de sua mãe) para educar-se. . Mulher muito católica, sempre teve o perdão como ponto de partida e tudo atribuía a vontade de Deus.
Enfim graças a essa minha avó sempre fui muito consciente do lugar subalterno do negro na sociedade e da importância de educar-se para enfrentar as humilhações. Em minha família nunca nos identificamos como caboclos ou morenos, mas também nunca tivemos militância negra , o objetivo era sempre educar-se , profissionalizar-se e conseguir seu lugar ao sol, dar aos filhos o que não pode ter. Essa era a nossa luta. Hoje vejo essa atitude de minha família como talvez um medo nosso de desencadear humilhações e violência como as passadas por minha avó.

Obrigada professor Raimundo Jorge pela entrevista.

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